A dor de cabeça é uma das queixas mais frequentes na prática médica
do dia-a-dia e constitui um importante problema de saúde pública no mundo
inteiro. Estima-se que mais da metade da população apresenta algum tipo de cefaleia em alguma fase da vida. Esse tipo de queixa constitui uma das causas
mais freqüentes de absenteísmo, e seu impacto socioeconômico é muito
grande.
Nas últimas décadas houve avanços significativos no estudo das cefaleias, principalmente no que tange aos mecanismos fisiopatológicos, fatores
etiológicos e à abordagem terapêutica.Há mais de 200 tipos diferentes de cefaleia conhecidos e o capítulo do diagnóstico diferencial dessa queixa é um
dos mais ricos da medicina.
As cefaleias podem ser desdobradas em primárias e
secundárias, sendo a enxaqueca ( ou migrânea) uma das cefaleias primárias mais frequentes.
Definição
A enxaqueca é uma forma de cefaleia crônica primária que pode ser definida como uma reação neurovascular
anormal que ocorre num organismo geneticamente vulnerável e que se exterioriza,
clinicamente, por episódios recorrentes de cefaleia e manifestações associadas
que geralmente dependem de fatores desencadeantes. Essa definição, embora
incompleta, tem o mérito de incorporar dois fatores fundamentais da enxaqueca: o
endógeno(genético) e o exógeno(ambiental). Quando ocorre a conjugação desses
fatores pode exteriorizar-se a crise enxaquecosa. Embora a enxaqueca seja um
quadro crítico, em certos pacientes ela pode ser mais abrangente configurando o
chamado episódio enxaquecoso que evolui em cinco fases: sintomas premonitórios,
aura, fase álgica(cefaleia e manifestações associadas), resolução da fase álgica
e quadro pós-crítico ou de recuperação.
O caráter genético da enxaqueca é
inquestionável embora em muitos casos seja ainda impreciso. O histórico familiar
da enxaqueca muitas vezes constitui um pré-requisito para o diagnóstico. A frequência do quadro enxaquecoso em algumas famílias sugere uma transmissão do
tipo dominante. A frequência da enxaqueca em gêmeos idênticos é maior do que em
gêmeos fraternos. Algumas formas de enxaqueca não têm um padrão genético
estabelecido e podem obedecer a mecanismos multifatoriais.
Os fatores
exógenos ou ambientais podem atuar como desencadeantes da crise. Eles são
diversificados e entre os principais podem ser mencionados: distúrbios
emocionais (ansiedade, depressão , irritabilidade...), modificações do ciclo
vigília-sono ( excesso ou privação de sono), ingestão de determinados alimentos
(chocolate, queijos maturados, produtos defumados, uso de glutamato monossódico,
como tempero, presença de conservantes químicos em certos alimentos), ingestão
de bebidas alcoólicas ( principalmente vinho tinto), jejum prolongado,
modificações hormonais ( menstruação, uso de anticoncepcionais, reposição
hormonal), exposição a odores fortes(perfumes, gasolina, creolina...), exposição
a estímulos luminosos intensos, exercícios físicos intensos ou prática
esportiva, viagens aéreas longas, altitudes elevadas, movimentos de aceleração
da cabeça e outros.A importância de alguns desses fatores pode ser superestimada
pelo paciente, razão pela qual eles devem ser melhor avaliados.
Idade, sexo e frequência
A
enxaqueca costuma ter início na infância, adolescência ou nos primórdios da
idade adulta, embora possa ocorrer em períodos mais tardios da vida. O pico de
prevalência é atingido entre os 30 e 45 anos. Na puberdade há ligeira
predominância nos meninos, entretanto, após esse período, há nítida
predominância no sexo feminino. A enxaqueca é altamente prevalente e estima-se
que atinja 12% da população, sendo mais frequente na mulher na razão de
3:1.
Quadro
clínico
A enxaqueca sem aura é a mais frequente na
prática clínica e representa aproximadamente 70% das formas apresentadas. Pode
ser definida como cefaleia idiopática, recorrente, manifestando-se por crises
com duração de 4 a 72 horas. Do ponto de vista clínico, a dor costuma
apresentar, localização unilateral, pulsátil, intensidade variável (fraca,
moderada, forte, muito forte), sendo exacerbada pelas atividades físicas de
rotina e costumam fazer parte da crise náusea e/ou vômitos, fotofobia,fonofobia
e osmofobia. Os critérios para a caracterização da crise enxaquecosa exigem a
presença de pelo menos uma das manifestações associadas (náusea, vômito,
fotofobia, fonofobia e osmofobia). O diagnóstico de enxaqueca exige que o
paciente tenha no mínimo, cinco crises que preencham os critérios
considerados.
A enxaqueca com aura é menos frequente e representa
aproximadamente de 20% a 30% das formas clínicas de enxaqueca. Essa forma é
caracterizada pela presença de aura, exterioriza-se por manifestações
neurológicas reversíveis que sinalizam comprometimento do córtex cerebral ou do
tronco encefálico. A aura costuma durar de 5 a 20 minutos, mas pode chegar a uma
hora. A crise enxaquecosa tem início com a aura (precedida ou não por uma fase
prodrômica) e sucedida ou interpenetrada pela fase álgica, que se instala nos
minutos subsequentes, geralmente de 15 a 20 minutos após o início da aura. A
aura pode ser visual (a mais frequente), sensitiva, motora ou ser traduzida por
distúrbios de linguagem. Com certa frequência as auras são mistas.
Para
confirmar o diagnóstico de enxaqueca com aura é preciso que o paciente
apresente, pelo menos, duas crises que preencham esses critérios. Habitualmente,
a fase álgica desse tipo de enxaqueca é mais curta: 4 a 6 horas, podendo,
entretanto, ser prolongada e atingir 72 horas. Alguns enxaquecosos podem
apresentar as duas formas clínicas.
Diagnóstico
O diagnóstico da
enxaqueca é clínico, não havendo marcadores biológicos para confirmá-lo. Mesmo
outros exames complementares (registros gráficos, exames de imagem TC ou RNM, ou
angiografia cerebral) não contribuem para firmar o diagnóstico, sendo,
entretanto, úteis para o descarte de patologias estruturais que provocam cefaleia semelhante a enxaqueca.A avaliação de um paciente com cefaleia depende
fundamentalmente de uma história cuidadosa e de exame clínico pormenorizado
portanto é imprescindível a Anamnese , que é uma palavra derivada do grego e
significa nova lembrança .Descrita assim por Alan Feinstein : “ A Anamnese , o
procedimento mais sofisticado da medicina é uma técnica de investigação
extraordinária , em pouquíssimas outras formas de pesquisa científica o objeto
observado fala.”
O diagnóstico diferencial da enxaqueca deve ser feito com
outras cefaleias primárias: cefaleia tipo tensional episódica, cefaleia em
salvas, hemicrania contínua ,etc. Particularmente na enxaqueca com aura deve ser
considerado o diagnóstico diferencial com manifestações epiléticas e com os
ataques isquêmicos transitórios.
Tratamento
O tratamento desse tipo
de cefaleia deve ser personalizado: isso significa que devemos tratar o
enxaquecoso e não a enxaqueca. O manejo terapêutico desse doente requer uma
abordagem abrangente, levando em conta seu perfil psicológico, seus hábitos de
vida, a presença de fatores desencadeantes, o tipo de crise e a sua frequência,
duração e intensidade. É importante considerar no tratamento as medidas gerais e
as medidas farmacológicas. Deve-se explicar ao paciente, em termos acessíveis, o
que é a enxaqueca e o que pode ser feita para tratá-la. Evitar fatores
desencadeantes, desde que detectados, é muito importante no êxito do
tratamento.
O tratamento farmacológico do enxaquecoso deve ser feito sempre
por médico especializado no tratamento de cefaleias, entretanto, somente 60% dos
pacientes procuram auxílio especializado e muitos apelam para a automedicação ou
aceitam a recomendação do balconista da farmácia ou de um vizinho ou de um
colega de trabalho, também sofredor do mesmo mal. Os riscos desse comportamento
são óbvios: efeitos adversos das drogas, cefaleia crônica diária pelo uso
regular de analgésicos e a não realização do tratamento profilático.
O
tratamento farmacológico pode ser desdobrado em sintomático (tratamento da
crise) e profilático.
Os recursos farmacológicos incluem medicamentos
não-específicos (analgésicos comuns, analgésicos narcóticos, anti-inflamatórios não-esteroides), medicamentos específicos (derivados ergóticos) e medicamentos
específicos e seletivos (triptanos). Com exceção dos triptanos, aos demais
medicamentos devem se associar drogas adjuvantes ( metoclopramida, domperidona,
cafeína), com o objetivo de combater a náusea e o vômito e de melhorar a
absorção gástrica.
O tratamento crítico da enxaqueca requer algumas
orientações que devem ser repassadas ao paciente. O uso de analgésico deve ser
feito no início da crise, comumente associado a drogas gastrocinéticas e
antieméticas. Se sintomas como náusea e/ou vômito são de instalação precoce nas
crises, devemos evitar as drogas de apresentação oral e utilizar formas
alternativas de apresentação ( supositório, spray nasal , ampolas, comprimidos
sublinguais ou disco liofilizado).
Nas formas fracas e moderadas dá-se
preferência a analgésicos comuns (ácidos acetilsalicílico, paracetamol,
dipirona), aos anti-inflamatórios não-esteroides (naproxeno sódico,
ibuprofeno,nisulide,cetoprofeno,etodolaco...). Os analgésicos narcóticos
(codeína, derivados da morfina) devem ser evitados, mas poderão ser utilizados
na gestante enxaquecosa e como medicação de resgate. Nas crises fortes ou muito
fortes, ou quando o pico de dor é rapidamente alcançado, deve-se lançar mão de
drogas mais potentes no combate à dor ( derivados ergóticos, triptanos). Deve-se
sempre respeitar as contra-indicações dos medicamentos antienxaquecosos.
O
tratamento profilático deve ser feito tendo em mira vários objetivos: aliviar o
paciente do sofrimento e com isso melhorar a sua qualidade de vida; evitar a sua
incapacidade temporária (física e intelectual) e evitar o uso prolongado e, às
vezes, abusivo de analgésicos, que além de efeitos adversos (potencialmente
perigosos) podem induzir um quadro de cefaleia crônica diária.
Os critérios
fundamentais para a instituição do tratamento profilático são: frequência,
intensidade e duração das crises. A conduta preconizada para iniciar esse tipo
de tratamento é a ocorrência de, pelo menos, uma a duas crises/mês, entretanto,
crises de longa duração ( dois a três dias) e de grande intensidade podem
justificar um tratamento de manutenção, mesmo com crises mais espaçadas.
As
drogas profiláticas de primeira escolha são os bloqueadores de canal de cálcio,
os betabloqueadores e os antidepressivos
tricíclicos(amitriptilina,nortriptilina); também são eficazes o maleato de
metisergida, o pizotifeno e o divalproato de sódio e o topiramato. Das cinco
classes dos bloqueadores de canal de cálcio, o único comprovadamente eficaz é a
flunarizina e dos bloqueadores beta- adrenérgicos, o mais eficaz é o propranolol
e o atenolol. Os inibidores de MAO são também eficazes, mas, em virtude de seus
efeitos colaterais e interações medicamentosas e/ou alimentares, são pouco
usados. Outras drogas são de baixa eficácia ou de eficácia duvidosa (verapamil,
fluoxetina, ciproeptadina, gabapentina, etc.). O toxina botulínica vem sendo
utilizada no tratamento profilático da enxaqueca.
O tratamento profilático
deve ser feito, na medida do possível, em regime de monoterapia e
excepcionalmente com drogas associadas. A estratégia é tratar o paciente de modo
intermitente, com períodos de “cura” de 6 a 12 meses ou
mais.
Fonte:“Cefaleias Primárias: Aspectos
Clínicos e Terapêuticos”.Fernando Ortiz;Edgard Raffaelli Jr e col. ( 2ª Edição).
São Paulo: Editora Zeppelini, 2002.
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