quarta-feira, 24 de abril de 2013

FISIOPATOLOGIA DA ENXAQUECA

A enxaqueca é uma forma de cefaléia crônica primária que pode ser definida como uma reação neurovascular anormal que ocorre num organismo geneticamente vulnerável e que se exterioriza, clinicamente, por episódios recorrentes de cefaléia e manifestações associadas que geralmente dependem de fatores desencadeantes. Ainda que não conheçamos perfeitamente todos os seus detalhes fisiopatológicos,podemos afirmar que já adquirimos razoável conhecimento a esse respeito. A seguir, detalharemos alguns dos estudos.

Teoria vascular

Graham e Wolff, em 1938, divulgaram a idéia de que a aura, a qual geralmente precede a crise de enxaqueca, seria causada por um fenômeno de vasoconstrição e que uma vasodilatação subseqüente causaria dor.

Depressão alastrante

Olesen e cols., observaram que a aura da enxaqueca é associada a uma redução do fluxo sangüíneo cerebral que se propaga a uma velocidade de 2 mm/min a 3 mm/min, iniciando-se, geralmente, no pólo posterior do cérebro, por vezes envolvendo todo o hemisfério cerebral, não respeitando os territórios vasculares. Essa última constatação tornava pouco provável a teoria da vasoconstrição. Esse fenômeno foi batizado de spreading hypoperfusion e tem características semelhantes à “depressão alastrante” descrita pelo brasileiro Leão, em 1944, o qual detectou ocorrência de depressão da atividade elétrica que propagava pelo córtex em todas as direções ao estimular eletrofisiologicamente o córtex de coelhos. A velocidade de propagação desses eventos se assemelhava àquela descrita por Lashley, em 1941, ao descrever sua própria aura visual. Além dessas evidências, Moskowitz e cols., em 1993, demonstraram que a passagem da depressão alastrante provocava a expressão de c-fos, um marcador não-específico da ativação neuronal no núcleo do trigêmeo. Esses experimentos sugerem a participação da depressão alastrante na fenomenologia da crise da enxaqueca.

Sistema trigeminovascular e inflamação neurogênica

Tem-se que, durante as crises de enxaqueca, ocorre uma dilatação dos vasos sangüíneos intra e extracranianos. A fonte da dor deve ser o próprio vaso, porém os mecanismos pelos quais ela é produzida não estão bem claros; presumivelmente, uma estimulação antidrômica em fibras trigeminais que inervam os vasos intracranianos extracerebrais desencadearia nestes uma inflamatória estéril (inflamação neurogênica), ocorrendo liberação de substâncias vasoativas- substância P(SP), peptídeo vasoativo intestinal (VIP), neuropeptídeo Y (NY) e peptídeo relacionado com o gene da calcitonina (CGRP) que acarretaria aumento da permeabilidade vascular e extravasamento plasmático para a adventícia do vaso.

Serotonina

Sicuteri,1961, descreveu que durante a crise migranosa ocorre diminuição de serotonina plasmática e seu catabólito, o ácido 5-hidróxi-indolacético, 5- HIAA, encontra-se aumentado na urina. Também nessa época já se conhecia que:
a)serotonina I.V. era capaz de abortar a crise migranosa;
b) essa substância apresentava ação constritiva em leito carotídeo, agindo sobre receptor atípico (não bloqueado por ciproeptadina ou mianserina);
c) os antimigranosos metisergida e ergotamina também possuem ação específica constritiva em território carotídeo.
Com esses fatos em mente, Humphey e cols. conseguiram descobrir um receptor serotoninérgico semelhante em veia safena canina. Posteriormente desenvolveram um agonista específico para esse receptor, o sumatriptano (1988), droga que se mostrou muito eficaz representando significativo avanço no tratamento da crise de enxaqueca.

Óxido Nítrico

Alguns autores afirmam que o óxido nítrico (NO) é o melhor candidato a ser o responsável pelos fenômenos dolorosos presentes em um ataque de enxaqueca , já que se trata de uma pequena molécula que atravessa as membranas facilmente, não necessita de um receptor específico e que sabidamente é capaz de produzir vasodilatação e de estimular os aferentes perivasculares, produzindo fenômenos nociceptivos.
Olesen e cols., em 1995, postulam que há evidências sólidas para a participação do óxido nítrico na fisiopatologia da enxaqueca.

Modulação Central

Goadsby e cols., na década de 80, em experimentos com animais, apresentaram várias evidências de que a estimulação do locus ceruleus, no tronco encefálico, reduzia o fluxo sangüíneo cerebral, principalmente no córtex occiptal. Weiller e cols., em 1995 , utilizaram a tomografia por emissão pósitrons para avaliar o fluxo sangüíneo cerebral regional durante a crise de enxaqueca sem aura em nove pacientes. Registraram a ativação da substância cinzenta periaquedutal na região do núcleo dorsal da rafe e na região da ponte, próximo ao locus ceruleus, durante a crise de enxaqueca.O sumatriptano agiu na dor e nos sintomas associados, revertendo o aumento do fluxo sangüíneo cortical, porém não alterando o do tronco encefálico. Talvez a manutenção dessa ativação esteja implicada na recorrência da cefaléia, que por vezes ocorre quando do uso de triptanos.

Bases genéticas da enxaqueca

Desde os primórdios do estudo da enxaqueca foi percebido seu componente hereditário. Living, em 1873, observou a frequente ocorrência de enxaqueca em parentes de migranosos, além da sua maior prevalência no sexo feminino. Atualmente algumas descobertas determinadas pelo avanço científico no campo da genética têm aumentado nosso conhecimento nesse aspecto:
  • Em 1994 foi encontrado o primeiro locus da enxaqueca, a migrânea hemiplégica familiar, no cromossomo 19. Dois anos depois, quatro mutações diferentes na subunidade A1 de um canal de cálcio, específico do cérebro, mapeado no gene CACNL 1 A4 do cromossomo 19p 13, forma identificada em quatro famílias com migrânea hemiplégica familiar. Das famílias portadoras dessa condição estudada, 55% tiveram o locus identificado no cromossomo 19, 15% no cromossomo 1 e 30% não foram determinados. Mutações nesse mesmo gene são a causa da ataxia episódica tipo 2 e da ataxia espinocerebelar tipo 6. A associação da enxaqueca com o canal de cálcio levanta a hipótese de esta ser uma doença dos canais iônicos;
  • A síndrome MELAS (mitochondrial encephalomyopathy, lactie acidosis and stroke-like episodes) é causada por um ponto de mutação no gene mitocondrial que está relacionado ao RNA t no nucleotídeo 3243. Nessa condição, todas as crianças de mãe afetada têm a doença e os episódios de cefaléia do tipo enxaqueca são frequentes, principalmente no início de seu curso mórbido;
  • Uma doença cerebrovascular familiar rara denominada CADASIL (cerebral autosomal dominant arteriophaty with subcortical infarcts and leucoencephalopaty )foi descrita e teve o gene localizado no cromossomo 19p12. Pacientes com essa doença têm maior chance de ter enxaqueca com aura que a população em geral.

Breve resumo da fisiopatologia da enxaqueca

Fenômenos corticais determinam a ativação trigeminal, com liberação de substâncias vasoativas das terminações perivasculares e extensão da resposta inflamatória pelas fibras do próprio trigêmeo. Condução trigeminal dos estímulos nociceptivos para centro cerebrais superiores, onde ocorre o reconhecimento da dor.Conhecida como cefaléia ou popularmente dor de cabeça.

Fonte:“Cefaléias Primárias: Aspectos Clínicos e Terapêuticos”.Fernando Ortiz;Edgard Raffaelli Jr e col. ( 2ª Edição). São Paulo: Editora Zeppelini, 2002.