quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Entendendo a Enxaqueca


Difícil encontrar alguém que não tenha reclamado um dia de dor de cabeça. Esta é uma das queixas mais freqüentes na prática médica do dia-a-dia e constitui um importante problema de saúde pública no mundo inteiro. Estima-se que mais da metade da população apresenta algum tipo de cefaléia em alguma fase da vida. Esse tipo de queixa constitui uma das causas mais freqüentes de falta ao serviço, por exemplo.

Atualmente, mais de 150 tipos de cefaléias são reconhecidas e o diagnóstico, segundo os médicos é um dos mais ricos da medicina. As cefaléias podem ser desdobradas em primárias e secundárias, sendo a enxaqueca ( ou migrânea) uma das cefaléias primárias mais freqüentes. 

A enxaqueca pode ser definida como uma reação neurovascular anormal, que ataca um organismo que está vulnerável, sendo que os fatores genéticos e ambientais favorecem o seu aparecimento. 

Fernando Ortiz e Edgard Raffaelli Júnior, no livro "Cefaléias Primárias: Aspectos Clínicos e Terapêuticos" esclarecem que embora a enxaqueca seja um quadro crítico, em certos pacientes ela pode ser mais abrangente configurando o chamado episódio enxaquecoso que evolui em cinco fases: sintomas premonitórios, aura, fase álgica (cefaléia e manifestações associadas), resolução da fase álgica e quadro pós-crítico ou de recuperação. A crise simplesmente resuma-se à aura, à fase álgica e à fase de resolução. 

Dificilmente alguém questiona o caráter genético da enxaqueca e o histórico familiar acaba se constituindo em um pré-requisito para o diagnóstico da doença. Por isso, analisar todo o histórico familiar é uma forma de diagnóstico que está sendo adotado em muitos casos. 

Os fatores ambientais também podem desencadear crises e eles também são considerados quando do diagnóstico. Entre os principais fatores estão distúrbios emocionais, como ansiedade, depressão, irritabilidade; modificações do ciclo vigília-sono; ingestão de determinados alimentos, como chocolate, queijos maturados, produtos defumados, temperos; ingestão de bebidas alcoólicas; jejum prolongado; modificações hormonais; exposição a odores fortes ou a estímulos luminosos intensos.

Fernando Ortiz e Edgard Raffaelli Júnior dizem que a enxaqueca costuma ter início na infância ou na adolescência, mas o seu pico de freqüência pode chegar entre os 30 e 45 anos e há uma nítida predominância no sexo feminino, atingindo cerca de 12% da população.

A mais comum das cefaléias é a idiopática, recorrente, que se manifesta por crises com duração de 4 a 72 horas. Ortiz define que a dor provocada por esta enxaqueca está localizada unilateralmente, sendo pulsátil, com intensidade variável, que pode ser de fraca a muito forte, apresentando também náuseas ou vômitos e uma sensibilidade à luz. 

Outra enxaqueca já definida é a com aura, que é caracterizada por manifestações neurológicas reversíveis que sinalizam comprometimento do córtex cerebral ou do tronco encefálico. Esta enxaqueca costuma durar de 5 a 20 minutos e pode provocar até distúrbios de linguagem, sensitivo e motor.

DIAGNÓSTICO -No livro "Cefaléias Primárias: Aspectos Clínicos e Terapêuticos", os autores informam que o diagnóstico da enxaqueca é clínico, não havendo marcadores biológicos para confirmá-lo. Mesmo outros exames complementares (registros gráficos, exames de imagem ou angiografia cerebral) não contribuem para firmar o diagnóstico, sendo, entretanto, úteis para o descarte de patologias estruturais que provocam cefaléia semelhante a enxaqueca. 

A avaliação de um paciente com cefaléia depende fundamentalmente de uma história cuidadosa e de exame clínico pormenorizado. O tratamento também deve ser personalizado, com os médicos, em um primeiro momento, conversando cuidadosamente com o paciente, levando em conta o seu perfil psicológico, seus hábitos de vida, a presença de fatores desencadeantes, o tipo de crise, a freqüência, a duração e a intensidade.

Mas é importante que o paciente seja informado que alguns hábitos diários sendo suprimidos, podem trazer um efeito bom no tratamento. Se for detectado que existem fatores desencadeantes de crises, o médico pode orientar o paciente para que evite-os a fim de colaborar no tratamento.

Existem estatísticas no país que indicam que somente 60% dos pacientes que sofrem de enxaquecas procuram atendimento especializado, o que se representa que muitos apelam para a automedicação, aceitando orientação de balconistas de farmácias ou de vizinhos e parentes. Os riscos desse comportamento são óbvios: efeitos adversos das drogas, cefaléia crônica diária pelo uso regular de analgésicos e a não realização do tratamento profilático.

O tratamento profilático deve ser feito tendo em mira vários objetivos: aliviar o paciente do sofrimento e com isso melhorar a sua qualidade de vida; evitar a sua incapacidade temporária (física e intelectiva) e evitar o uso prolongado e, às vezes, abusivo de analgésicos, que além de efeitos adversos (potencialmente perigosos) podem induzir um quadro de cefaléia crônica diária.

Um pouco da história

A cefaléia é um fenômeno conhecido desde os primórdios da história da humanidade; descrições relativas ao quadro das cefaléias são feitas há mais de 3.000 anos a.C., segundo escritos sumerianos da época. Achados arqueológicos de civilizações neolíticas, com data aproximada de 7.000 anos a.C., já sugeriam que os povos da época tinham intensas crises de dores de cabeça, interpretadas como a presença de maus espíritos dentro do crânio. O tratamento empregado era a trepanação, e consistia na abertura de orifícios no crânio, para a saída dos maus espíritos que causavam a dor de cabeça. 

Um documento datado de 1.200 a.C., o papiro Ebers prescrevia tratamentos para dor de cabeça e mencionava a dor com características sugestivas de enxaqueca e neuralgias. Neste papiro, os antigos egípcios, há 1.550 anos a.C., gravaram uma cena de tratamento de cefaléia, descrita da seguinte forma: "O médico deve amarrar à cabeça do paciente um crocodilo feito de barro, com olhos de louça e trigo na boca, usando uma faixa de puro linho sobre a qual devem estar escritos os nomes dos Deuses". Os relatos sugeriam a melhora desses pacientes, provavelmente devido a compressão das artérias dilatadas do couro cabeludo. 

Em 400 a.C., Hippocrates descreveu a visualização de raios luminosos precedendo a dor da enxaqueca. Ele também mencionou a possibilidade desta dor ter sido iniciada por exercícios e relações sexuais e acreditou que eram decorrentes da ascensão de "vapores" do estômago para a cabeça, uma vez que eram aliviadas por vômitos. 

Celsius, que viveu entre 215 e 300 d.C., observou que vinho, frio, calor e exposição ao sol poderiam provocar crises de dor de cabeça com características de enxaqueca, mas as primeiras descrições clássicas de enxaqueca foram feitas por volta do século 2 d.C. por Aretaeus da Capadócia, que se refere a uma forma de dor, unilateral ao crânio, e que ocorria a intervalos mais ou menos regulares; essa forma de dor foi descrita em livro-texto sobre a prática da Medicina.